terça-feira, 19 de outubro de 2010

MÚSICA E LITURGIA

“Se queres saber no que cremos, vem ouvir o que cantamos.”
(Santo Agostinho)



INTRODUÇÃO


Nas últimas décadas temos percebido claramente que a música vem conquistando cada vez mais espaço, e isso não é de se espantar. Os primeiros indícios de música vêm do ano 60000 aC, com a descoberta de uma flauta feita de osso. O ser humano sempre assimilou sons e, a partir deles, pode compor arranjos, numa sucessão do que mais tarde chamaríamos de notas musicais. À Grécia atribui-se a evolução musical, tanto é que a palavra música vem do grego e significa "a arte das musas".
Desde cedo, a Igreja já valorizava o canto e os centros de fé, como Roma, Bizâncio, Antioquia e Jerusalém, já eram grandes centros de música.

Das escolas musicais, passando pelo canto gregoriano, nos transportamos à nova realidade trazida pelo Concílio Vaticano II. Mesmo mantendo o canto gregoriano e o órgão de tubos como oficiais no rito latino, houve abertura para outras formas de canto e é sobre essa realidade que este artigo se destina.


1 O CANTO LITÚRGICO

Não é tarefa fácil abordar esse assunto, que é um tanto polêmico e rende boas discussões que muitas vezes não levam a lugar algum. Atualmente, vemos uma grande explosão de equipes de canto em nossas comunidades e parecem que são divididas em grupos. Temos os coros tradicionais que empregam somente o órgão como instrumento musical, mas também temos as equipes influenciadas pela Renovação Carismática Católica. Ainda devemos considerar as equipes mais neutras, como aquelas que procuram seguir os hinários litúrgicos, sem esquecermos as liturgias conduzidas com cânticos de cunho mais social e as variantes musicais que resultam em celebrações temáticas, como sertanejo, afro, dentre outros.

Válido citar a Constituição Conciliar Sacrossanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia que diz:

"112. [...] A música sacra será tanto mais santa quanto mais intimamente unida estiver à ação litúrgica, quer como expressão delicada da oração, quer como fator de comunhão, quer como elemento de maior solenidade nas funções sagradas. A Igreja aprova e aceita no culto divino todas as formas autênticas de arte, desde que dotadas das qualidades requeridas."

De antemão, concluímos que a Igreja não tem objetivo de promover somente um estilo musical, desde que haja bom senso na forma de conduzir a assembleia reunida. Contudo, não é lícito criar "missas temáticas", como a sertaneja, a carismática ou a estilo CEB, já que o centro da Sagrada Liturgia é Cristo e o canto tem a função de situar os fiéis dentro da missa, inserindo-os no mistério celebrado.

Mas a grande problemática não está tanto nessas variações anteriormente citadas. O que se vê nas comunidades eclesiais é a nítida falta de preparo dos músicos, que não têm criérios para escolha dos cantos empregados na ação litúrgica.

Cada tempo litúrgico apresenta suas particularidades, e essas diferenças próprias de cada ocasião deveriam ser consideradas na hora de se escolher os cantos para uma celebração (cf. SC 107). A questão não é escolher a música bonita, a preferida do padre, a mais tocada nas paradas de sucesso católico, mas aquela que expressa o que a Igreja celebra.

A Igreja parece viver uma primavera no que tange a música, dentre outros assuntos. Trabalhos cada vez mais perfeitos encantam e conquistam corações. Mas nem toda canção católica é uma canção litúrgica e, portanto, não pode ser entoada na Liturgia. E existem ocasiões em que essas músicas são bem-vindas, como em grupos de oração, novenas, manifestações artísticas e na evangelização.

Outro agravante são as melodias adaptadas, aquelas canções do meio secular “cristianizadas” e inseridas na Liturgia. Também devem ser evitadas, pois não constituem formas autênticas no culto cristão.


2 O PAPEL DA EQUIPE DE CANTO LITÚRGICO


Na Liturgia, os elementos da equipe de canto, juntamente com os que servem o altar, os comentadores e leitores, desempenham verdadeiro ministério litúrgico (cf. SC 29). Contudo, é preciso tomar grande cuidado com o emprego do termo “ministério”, comumente utilizado para se referir ao ministro ordinário (diáconos, presbíteros e bispos) e extraordinário (os que auxiliam na distribuição da sagrada comunhão, na organização das celebrações dentre outros).

A equipe de canto é parte da assembleia, porém organizada de forma a sustentar com o canto todos os fiéis presentes. Portanto, sua função não é animar a assembleia, atributo do presidente da celebração ou do animador (comentarista).

Os músicos, enquanto equipe, pertencentem à Sagrada Liturgia e devem participar das formações promovidas, bem como aprimorar sempre seus conhecimentos sobre Liturgia e sobre música, de forma a corresponder à sua finalidade única anteriormente mencionada.

Sendo a Liturgia previsível, já que os textos aprovados estão organizados e facimente disponíveis, é dever do músico se planejar anteriormente a fim de evitar falhas e não empregar cantos aleatórios, fora da proposta litúrgica.

No espaço litúrgico, o lugar mais indicado para a equipe de canto é próximo da assembleia, não voltada para o povo, mas com o povo voltada para o altar, centro de toda ação litúrgica.


3 UM TIPO DE CANTO PARA CADA PARTE DA MISSA

Cada momento da celebração, quando permitido acompanhamento musical deve corresponder à ação daquele instante. A seguir, algumas pistas a serem consideradas.

- Entrada processional: este canto tem por atribuição abrir a celebração, promover a comunhão da assembleia, introduzindo-a no mistério celebrado, e acompanhar a procissão de entrada (cf. IGMR 47). Canções que falem da caminhada ou que priorizam a comunhão eclesiástica se encaixam bem. Caso seja omitido, canta-se ou recita-se a antífona de entrada do dia ou textos próprios do Gradual Romano (que contém o formulário utilizado antes da reforma litúrgica). O canto de entrada se encerra imediatamente após o presidente da celebração chegar até o altar e saudá-lo com o ósculo, a menos que haja incensação, ocasião pela qual será prolongada a sua execução.

- Ato penitencial: uma vez que existem formulários para esse momento, quando for cantado deve possuir a mesma linha das súplicas (Senhor/Cristo/Senhor piedade (Kyrie/Christe/Kyrie eleison)). Dentro de cada momento, um comportamento cuidadoso deve ser observado. Estamos diante de um momento de exame da consciência, onde cada fiel olha para dentro de si e se reconhece pecador, falho, necessitado da misericórdia do Pai. Naturalmente, perdão se pede em clima de arrependimento, não de festa, não com palmas ou gestos acrobáticos.

- Hino de Louvor: quando cantado, merece fidelidade ao texto litúrgico. Não se trata de uma simples glorificação à Trindade Santa. O Hino de Louvor tem Cristo como centro, assim como a Liturgia. Também não se louva a Deus pelo perdão anteriormente recebido, mas glorifica-se o Pai a partir da pessoa de Jesus, na unidade com o Espírito Santo.

- Salmo Reponsorial: como cânticos de louvor e súplica que são devem ser sempre cantados, ao menos o seu refrão. O texto sagrado do dia dará a percepção da melodia, se deve ser mais meditativa ou mais vibrante. Há a possibilidade de substituição por textos do Gradual Romano, mas jamais se admite omissão ou substituição por um canto qualquer.

- Aclamação ao Evangelho: exceto no tempo quaresmal deve, obrigatoriamente, possuir o “aleluia”. Preferencialmente seja dada preferência à antífona do Evangelho, ou esta seja adaptada e incluída no canto escolhido. Após a aclamação ao Evangelho, é costume em algumas comunidades cantar novamente um breve trecho, preferencialmente do refrão. Trata-se de um costume válido e que não encontra barreiras nas normas litúrgicas.

- Apresentação das Oferendas: geralmente este canto rende graças a Deus pelos dons que apresentamos para serem consagrados. Pode, ainda, falar da partilha dos bens, para que o pão de cada dia não falte na mesa do irmão, mas sempre ligado ao momento que celebramos, a Liturgia Eucarística. Grande cuidado em celebrações da Palavra (dirigidas por leigos): se não há oração eucarística, não se deve referenciar a apresentação do pão e do vinho. Outro detalhe importante é não prolongar por muito tempo o canto, encerrando o canto logo após a finalização da apresentação das oferendas sobre o altar e conclusão da coleta, se houver.

- Santo: é outro hino que exige fidelidade ao texto original. É recomendável que a sua letra não apresente conteúdo diferente e que impossibilite a assembleia de cantá-lo. É o canto mais importante da ação litúrgica, um hino de engrandecimento a Deus, destacando sua santidade, majestade e eternidade.

- Abraço da Paz: canto de fraternidade e comunhão, deve ser bem breve. Pode ser substituído por um breve acorde e onde há esse costume, a experiência tem se demonstrado bastante produtiva. O importante é não prolongar esse momento, com o grave risco de quebrar o clima pré-comunhão eucarística. É preciso quebrar a errônea visão de confraternização no meio da missa. O fiel presente saúda apenas os mais próximos de si e o tempo para isso é breve. Contudo, o termômetro usado para finalizar esse canto é o retorno do presidente/dirigente da celebração ao altar. Válido, ainda, ressaltar que este canto não é previsto em nenhum documento sobre liturgia.

- Cordeiro de Deus: prece de competência da assembleia e que pode ser cantada. Uma curiosidade um tanto desconhecida: não existe uma regra que limita em duas vezes a repetição de “Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós”. Esta parte pode ser repetida quantas vezes forem necessárias, pelo menos duas, até que o presidente da celebração conclua a fração do Pão, seguido pelo “dai-nos a paz”. Só se inicia o Cordeiro de Deus após o sacerdote começar o gesto da fração do Pão.

- Canto de comunhão: deve proporcionar o que o rito mesmo sugere: a comunhão (entre Cristo e o fiel comungante). Melodias mais suaves proporcionam clima de recolhimento, propício à contemplação e adoração, abordando o Reino de Deus, remetendo àquela Ceia da noite da entrega de Nosso Senhor ou mesmo manifestando nossa alegria em ser convidado para Dele se alimentar. Sendo possível, a sintonia com a Liturgia da Palavra do dia pode expressar a igualdade de importância entre as mesas eucarística e da Palavra afirmada pelo Concílio Vaticano II.

- Ação de Graças: a palavra Eucaristia significa “ação de graças”. Um canto pós-comunhão estende o clima orante e deve manifestar a alegria de pertencer ao número dos que creem no Cristo, glorificando-O. Quando utilizado, que seja breve, de modo a haver tempo para o silêncio sagrado pós-comunhão. Ao contrário do canto de comunhão, este canto que pode ser cantado por toda a assembleia traduz de maneira mais intensa o desejo de sermos um com Cristo e o Pai, no nosso ato de confiante entrega em suas mãos. A Didaqué, documento dos primórdios da Igreja, destaca um canto utilizado como forma de agradecimento após a comunhão. Na prática, seria mais interessante utilizá-lo como um segundo canto de comunhão, preferencialmente, quando toda assembleia, ou grande maioria já estiver comungado, enquanto o presidente/dirigente da celebração purifica os vasos sagrados.

- Canto final: eis um outro canto que não é previsto na Sagrada Liturgia. A própria reforma prevê o “ide em paz” como finalização da celebração, tirando o sentido de um canto final. Prefiro chamá-lo de canto de dispersão da assembleia, já que não cumpre nenhuma função litúrgica. O Documento 79 da CNBB (1999) “A música litúrgica no Brasil”, em seu item 324 sugere que “durante a saída do povo, o mais conveniente seria um acompanhamento de música instrumental. Se em alguma ocasião parecer oportuno um “canto final”, por exemplo, o Hino do Padroeiro ou Padroeira na sua festa, ou um hino em honra da Mãe do Senhor em algumas de suas comemorações, que ele seja cantado com a presença de todo o mundo, logo após a bênção, antes do “Ide em paz”.”. Como já é um costume bem enraizado, não somente na Igreja no Brasil, mas em todo o mundo, é conveniente a escolha de cantos que abordem a missão de construir o Reino de Deus e de evangelizar. Estes cantos costumam ser mais vibrantes. Importante não fazer desse momento pós-celebração um show, com barulho ensurdecedor e muito prolongado.


(continua no próximo artigo)

2 comentários:

  1. Querido irmão em Cristo, seu blog foi bastane útil em minha pesquisa. Parabéns por este belo trabalho e continue firme no Caminho do Senhor!

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  2. Caro Carlos!
    Esse texto é belíssimo! Já o conhecia por acompanhar o seu blog. Porém esse ano de 2011 ele será muito útil no trabalho que tenho de acompanhar a música e a liturgia em duas paróquias aqui em Ribeirão das Neves - MG. Estarei utilizando-o no mês de abril com as equipes de canto. Um abraço do seu irmão em Cristo, Edemilton.

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